Documentos secretos guardados nos arquivos da Abin informam que a narcoguerrilha colombiana Farc deu 5 milhões de dólares a candidatospetistas em 2002.
Nos arquivos da Agência Brasileira de Inteligência em Brasília há um conjunto de documentos cujo conteúdo é explosivo. Os papéis, guardados no centro de documentação da Abin, mostram ligações das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) com militantes petistas. O principal documento nos arquivos foi datado de 25 de abril de 2002, está catalogado com o número 0095/3100 e recebeu a classificação de "secreto". Em apenas uma folha e dividido em três parágrafos, esse documento informa que, no dia 13 de abril de 2002, um grupo de esquerdistas solidários com as Farc promoveu uma reunião político-festiva numa chácara nos arredores de Brasília. Na reunião, que teve a presença de cerca de trinta pessoas, durou mais de seis horas e acabou com um animado forró, o padre Olivério Medina, que atua como uma espécie de embaixador das Farc no Brasil, fez um anúncio pecuniário. Disse aos presentes que sua organização guerrilheira estava fazendo uma doação de 5 milhões de dólares para a campanha eleitoral de candidatos petistas de sua predileção. A notícia foi recebida com aplausos pela platéia. Faltavam então menos de seis meses para a eleição.
Um agente da Abin, infiltrado na reunião, ouviu tudo, fez um informe a seus chefes, e assim chegou à Abin a primeira notícia de que as relações entre militantes esquerdistas, alguns deles petistas, e as Farc podem ter ultrapassado a mera simpatia ideológica e chegado ao pantanoso terreno financeiro.
Sob a condição de não reproduzi-los nas páginas da revista, VEJA teve acesso a seis documentos da pasta que trata das relações entre as Farc e petistas simpatizantes do movimento. Dos seis documentos, três fazem menção explícita à doação de 5 milhões de dólares. Num deles, está descrita a forma de pagamento: o dinheiro sairia de Trinidad e Tobago, um pequeno país do Caribe, e chegaria às mãos de cerca de 300 pequenos empresários brasileiros simpáticos ao PT, que, por sua vez, fariam contribuições aos comitês regionais do partido como se os recursos lhes pertencessem. Em outro documento, aparece a informação de que o acerto financeiro fora celebrado entre membros do PT e das Farc durante uma reunião realizada numa fazenda no Pantanal Mato-Grossense – e que os encontros de cúpula seriam articulados com a ajuda de Maria das Graças da Silva, uma funcionária da Câmara dos Deputados em Brasília que já militou no PC do B e seria amiga muito próxima do "comandante Maurício", apontado como a maior autoridade das Farc no Brasil. Ao contrário da doação financeira e do mecanismo do pagamento, que são descritos em detalhes nos documentos da Abin, a menção à reunião no Pantanal aparece seca e sem detalhes.
"Conheço ele, sim, mas e daí? Não articulei encontro nenhum", garante a funcionária Maria das Graças, que diz ignorar qualquer reunião no Pantanal. Nas últimas cinco semanas, VEJA investigou a veracidade das informações arquivadas na sede da Abin. Será que houve mesmo um encontro numa chácara em Brasília? O encontro teve a presença de representantes das Farc? Falou-se ali na doação de 5 milhões de dólares? Para responder a essas perguntas, VEJA localizou o agente da Abin que se infiltrou na reunião das Farc e ouviu outros dois funcionários da agência que tiveram contato com a investigação, além de procurar os esquerdistas que foram ao encontro. A apuração comprovou a reunião, o local, a data e os personagens. Só não encontrou indícios suficientemente sólidos de que os 5 milhões de dólares tenham realmente saído das Farc e chegado aos cofres do PT. A doação financeira é dada como realizada pelos documentos da Abin, mas a investigação de VEJA não avançou um milímetro nesse particular. Pode ter sido apenas uma bravata do padre Olivério Medina, codinome de Francisco Antônio Cadenas Colazzos, para alegrar seus convivas esquerdistas? Pode. Além da convocação manifestada nos documentos da Abin, a revista não encontrou elementos consistentes para que se faça uma afirmação sobre esse aspecto.
Os contatos políticos entre petistas e guerrilheiros das Farc são antigos. Começaram em 1990, quando o PT realizou um debate com partidos políticos e organizações sociais da América Latina e do Caribe para discutir os efeitos da queda do Muro de Berlim. De lá para cá, as relações se intensificaram, principalmente por meio das correntes esquerdistas do PT, como a Democracia Socialista, cuja estrela mais conhecida é o ministro Miguel Rossetto, do Desenvolvimento Agrário. Mesmo os quadros mais moderados do PT demonstram uma certa simpatia pelas Farc. Como instituição, porém, o partido há muito tempo quer distância das Farc. "A guerrilha representa tudo o que nós abominamos em termos de política. Não se pode esquecer que o PT já nasceu em oposição à luta armada. O governo do presidente Lula tem as melhores relações com o governo constituído da Colômbia e apóia o presidente Álvaro Uribe", diz o senador Aloizio Mercadante. E completa: "Se essa doação existiu, o que não acredito, ela não foi feita ao PT, mas a indivíduos que se dizem ligados ao partido. Se eles forem identificados e forem do partido, serão expulsos".
Em virtude do passado de companheirismo com as Farc, a cúpula do PT, ainda antes das eleições presidenciais de 2002, sentiu que seria adequado tranqüilizar o governo da Colômbia em relação a uma possível eleição de Lula. O hoje ministro José Dirceu, da Casa Civil, procurou a embaixadora colombiana em Brasília para avisar que, se Lula fosse eleito, a política de seu governo em relação às Farc seria a do Estado brasileiro – e não a da ala esquerda do PT. A palavra tem sido cumprida, embora o governo brasileiro insista em considerar oficialmente as Farc como um grupo guerrilheiro – e legítimo, portanto –, recusando-se a reconhecer o que elas realmente são. Ou seja: um conluio oportunista de guerrilheiros, terroristas e narcotraficantes.
Considerando-se o currículo das Farc, a história também faz sentido lógico. Fundadas na década de 60, as Farc começaram a se envolver com o tráfico na década de 90, quando os maiores traficantes colombianos passaram a remunerar os guerrilheiros em troca de segurança armada para os plantadores de coca (veja reportagem ABAIXO). Com o envolvimento direto com o tráfico, a organização acabou tornando-se financeiramente poderosa. Sabe-se que os cartéis colombianos da cocaína usam as ilhas de Trinidad e Tobago como um entreposto, estocando ali a droga que embarcam para a Europa. Por coincidência, é de Trinidad e Tobago que o dinheiro das Farc sairia para entrar nos cofres dos candidatos esquerdistas, conforme mostram os documentos arquivados na Abin. Apesar da verossimilhança e da aparência lógica do esquema, é vital ressaltar que, fora os registros feitos pelos espiões da Abin, não foram encontradas evidências sólidas da ajuda financeira da guerrilha da Colômbia. O padre Olivério Medina, representante das Farc no Brasil, nega. "Não houve essa ajuda financeira", disse ele a VEJA, falando de um telefone público em Brasília e encerrando o assunto sob a alegação de que, como estrangeiro, não poderia falar sobre política.
O secretário de Relações Internacionais do PT, Paulo Ferreira, encarregado dos contatos do partido com o exterior, garante que as relações petistas com a guerrilha colombiana não são amistosas. "Ao contrário. Hoje, nós temos conquistado o ódio das Farc", diz. Uma das razões é o fato de que o PT aprovou uma recomendação para que as Farc sejam barradas nos foros internacionais de discussão sobre assuntos da América Latina. "Não há interesse em manter relações com um grupo belicista que, entre outras coisas, usa métodos como o seqüestro de civis", afirma Ferreira. A posição do secretário de Relações Internacionais do PT, no entanto, não é a unanimidade do partido. Em Brasília, por exemplo, o comitê que apóia ações das Farc é integrado e dirigido por militantes do PT. "Essas ligações existem à revelia do partido. Posso dizer que são até criminosas", afirma Ferreira. Para ele, as ligações entre PT e Farc descritas nos relatórios da Abin, se existiram tal como informaram os agentes de inteligência, foram "clandestinas".
A reunião na chácara em Brasília foi uma mistura de encontro político com festa de amigos. A chácara chama-se Coração Vermelho, pertence ao sindicalista Antônio Francisco do Carmo e fica a 40 quilômetros de Brasília. O encontro começou às 11 da manhã e terminou no início da noite. Aconteceu em torno de uma mesa debaixo de árvores, para evitar que um grampo clandestino pudesse captar as conversas. No início, com todos de pé, abriu-se uma bandeira das Farc e cantou-se o hino da guerrilha. Para entrar na chácara, os participantes tinham uma senha: bater com a mão espalmada no peito. Ao meio-dia, serviu-se um churrasco, com arroz e vinagrete, cerveja e refrigerante. Um dos presentes era o vereador Leopoldo Paulino, secretário de Esportes do então prefeito de Ribeirão Preto, o hoje ministro Antonio Palocci. Pouco antes, Paulino fundara o primeiro comitê de apoio às Farc no Brasil, em Ribeirão Preto. Na chácara, exibiu-se um vídeo com a inauguração do comitê, e Paulino explicou seu funcionamento. "Não temos presidente ou diretor. Somos todos guerrilheiros ou não somos. Se somos, então todos fazem parte da luta", disse ele, conforme o relato transcrito pelo agente infiltrado da Abin. Foi aplaudido pelos presentes.
A VEJA, o vereador Leopoldo Paulino, que foi guerrilheiro da Ação Libertadora Nacional (ALN) e hoje é filiado ao PSB, negou que tenha participado de qualquer reunião na chácara Coração Vermelho. Outro que esteve presente, porém, o bancário Antônio Carlos Viana, um aguerrido militante comunista, confirmou a VEJA que a reunião foi feita, que o assunto era o apoio às Farc, mas disse que ninguém falou em dólares. "Só defendemos que as Farc sejam reconhecidas como força beligerante", diz ele, que trabalha no departamento de tecnologia do Banco do Brasil. O dono da chácara, o sindicalista Antônio Francisco do Carmo, militante do velho PCB, também confirma que, em várias ocasiões, cedeu sua propriedade para encontros em que o padre Olivério Medina esteve presente. Ele ressalta, no entanto, que eram encontros festivos, e não reuniões de caráter político, nas quais nunca se mencionou financiamento da guerrilha colombiana para o PT. "Sou amigo do padre e ele já almoçou e jantou várias vezes na minha chácara", diz. É certo que a reunião na chácara, até pela baixa estatura hierárquica de seus participantes, não tomou nenhuma decisão sobre Farc, PT ou milhões de dólares.
Na chácara, a doação do dinheiro veio à tona, talvez acidentalmente, e acabou captada por um agente da Abin. O general Alberto Cardoso, então chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) do governo tucano e da Abin, soube da reunião na Coração Vermelho com antecedência e até abortou uma operação policial que planejava invadir a chácara e prender todos os participantes. O general preferiu deixar a reunião acontecer e manter o monitoramento por meio do agente infiltrado. Com isso, conseguiu pescar uma informação valiosa: o espião da Abin gravou a reunião e, na fita cassete, que também se encontra nos arquivos da agência, o padre Olivério Medina pode ser ouvido fazendo o anúncio da doação financeira aos petistas. Depois do anúncio, numa conversa com um grupo reduzido, o padre relatou como o dinheiro entraria no Brasil. Contou que sairia de Trinidad e Tobago, passaria pelos 300 pequenos empresários e chegaria a comitês regionais petistas.
Os documentos arquivados na Abin, sucessora do velho SNI do regime militar, são célebres por seus erros e equívocos, motivados em geral pela paranóia anticomunista de seus agentes na época da ditadura. Os papéis que relatam a transação em que as Farc prometem ajuda financeira a candidatos esquerdistas no Brasil também não são imunes a erros. A trajetória dos papéis na hierarquia do serviço de inteligência sugere, porém, que as informações partiram de um espião experiente que gozava da confiança de seus superiores. Os documentos mostram que as informações ali contidas foram checadas com afinco. Um relatório elaborado por um agente de base costuma ser examinado por um analista, que avalia, reúne, compara informações e sistematiza-as de acordo com o objetivo de cada missão – ou manda tudo para o lixo.
O segundo filtro sobre a qualidade de uma informação é feito por um diretor de departamento, que recebe informações de outros setores e, em tese, está mais bem equipado para avaliar o conjunto das informações. Depois, tudo ainda vai ao diretor-geral da agência, que avalia se o assunto é ou não relevante e se deve ou não ser levado ao conhecimento do presidente da República. O documento 0095/3100, de 25 de abril de 2002, o principal entre todos os que narram as ligações entre militantes petistas e as Farc, passou por todas essas etapas e acabou com um carimbo de "secreto". Isso significa que suas informações eram críveis e seu conteúdo tinha consistência suficiente para ser levado ao conhecimento do presidente da República.
(LER TEXTO SOBRE POSICIONAMENTO DA ABIN E DO GAB. DE SEG. INSTITUCIONAL, MAIS ABAIXO, NO FINAL DAS MATÉRIAS DA VEJA)
A primeira suspeita da generosidade financeira das Farc com esquerdistas brasileiros apareceu há dois anos, quando o deputado Alberto Fraga, hoje filiado ao PTB, contou que agentes da Abin lhe narraram a história. O deputado fez um discurso-denúncia sobre o assunto na tribuna da Câmara e tentou em vão abrir uma CPI. Não conseguiu recolher o número necessário de assinaturas de deputados. Sua denúncia não recebeu muito crédito, mas o deputado Luiz Eduardo Greenhalgh, do PT paulista, procurou-o. Disse que estava incumbido pelo governo de processar Fraga e queria saber se o deputado tinha provas da denúncia que fizera. Fraga blefou. "Eu disse que podia até apresentar testemunhas em juízo." Diante disso, Greenhalgh nunca mais tocou no assunto, segundo Fraga. "Eu só falei para que ele tomasse cuidado com aquela história. Disse que ele poderia acabar sendo processado porque a história não era verdadeira", desmente Greenhalgh. "Eu não estava falando em nome do governo."
Quando Fraga fez a denúncia, a Abin chegou a abrir uma investigação interna para descobrir quem era o responsável pelo vazamento. A apuração encontrou um responsável. O resultado está arquivado no Departamento de Inteligência.
As suspeitas em torno de ligações do PT com as Farc costumam servir para manipulações políticas, com o objetivo de envolver o partido com um grupo terrorista. Na campanha presidencial em 2002, por exemplo, o programa eleitoral do então candidato tucano, José Serra, chegou a perder preciosos minutos em direito de resposta por ter veiculado a acusação segundo a qual o PT teria ligações clandestinas com as Farc. O fato que agora vem a público, porém, está despido de motivações políticas – foi apurado por uma agência oficial, ficou nos arquivos e, hoje, tais arquivos estão sob o comando do investigado. Na quarta-feira passada, VEJA pediu esclarecimentos ao Gabinete de Segurança Institucional, abaixo do qual fica a Abin. Recebeu a resposta oficial na sexta-feira. Ei-la: "O Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República informa que não vai se pronunciar a respeito". Quatro horas depois, o GSI emitiu outra resposta. Dizia com um tortuoso malabarismo verbal que a Abin investigou as Farc – o que, no fundo, não quer dizer nada. Seria uma investigação histórica medir a dimensão dos tentáculos das Farc no Brasil e o nível hierárquico em que eles chegaram a penetrar no partido que detém o Poder Executivo.
VEJA OUTRO TRECHO ESCLARECEDOR SOBRE O POSICIONAMENTO DA DIREÇÃO DA ABIN NESTE CASO, LOGO MAIS ABAIXO.
Uma mancha na América Latina
Recursos das Farc vêm do narcotráfico e dos seqüestros
A Abin descobriu que as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) deram dinheiro para militantes petistas. Mas de onde vem o dinheiro das Farc? A maior parte dos recursos do maior grupo guerrilheiro colombiano é obtida por meio de três atividades criminosas – seqüestros, tráfico de drogas e roubo de gado. Entre 1997 e 2004, 4.734 pessoas passaram pelos cativeiros mantidos pelas Farc em seus acampamentos no interior do país. Só no ano passado foram 700 cativos. Os pagamentos de resgate somaram 37,5 milhões de dólares apenas em 2003, de acordo com as últimas estimativas oficiais disponíveis. No mesmo ano, a guerrilha lucrou 31,8 milhões de dólares com o roubo de mais de 100.000 cabeças de gado. Especialistas calculam que as Farc controlam 30% do mercado de distribuição e exportação de cocaína na Colômbia. Em termos monetários, significa um faturamento anual entre 600 milhões e 800 milhões de dólares.
O seqüestro é uma atividade antiga da guerrilha colombiana. O envolvimento com o narcotráfico é mais recente. Começou no início da década de 90, quando uma ofensiva para erradicar as plantações de folha de coca na Bolívia e no Peru levou os cartéis colombianos a se associar com a guerrilha para o plantio nas áreas rurais sob controle dos esquerdistas. O negócio fez uma tremenda diferença. De guerrilheiros pobres, que tinham perdido a mesada de Cuba, as Farc se tornaram milionárias. Para administrarem o ritmo acelerado de sua indústria de seqüestros, as Farc adotam um procedimento padronizado. O valor do resgate é tabelado de acordo com a região do país e varia entre 5.000 e 15.000 dólares, para prisioneiros de classe média. No caso de grandes fazendeiros e funcionários de empresas estrangeiras pagam-se valores bem maiores. A guerrilha pressiona os familiares para que o pagamento seja efetuado em, no máximo, uma semana. A partir desse prazo, são informados de que a vida do refém corre risco.
Situação ainda mais dramática é a daqueles seqüestrados por motivos políticos. Nesses casos, a guerrilha não aceita o pagamento de resgate. Os cativos servem para ser trocados por guerrilheiros presos em negociações com o governo. Hoje, 64 reféns estão nessa situação. São 27 políticos, 34 militares e três civis americanos. O caso mais conhecido é o da escritora e senadora Ingrid Betancourt, de 43 anos, mãe de um casal de adolescentes. Candidata à Presidência nas eleições de 2002 por um pequeno partido ambientalista, Ingrid já era uma celebridade internacional antes de ser seqüestrada pelas Farc. Sua autobiografia, Coração Enfurecido, é best-seller na França e nos Estados Unidos. Seu marido, o publicitário Juan Carlos Lecompte, largou o trabalho para seguir obsessivamente qualquer pista sobre o paradeiro da mulher. Há um mês, quando o seqüestro completou três anos, ele lançou um livro relatando os 1.100 dias de seu sofrimento. "Minha vida virou do avesso, a ponto de eu não ter idéia se Ingrid vai me reconhecer quando for solta, de tão amargo e triste que me tornei", disse Lecompte a VEJA.
O desespero é compartilhado com os familiares de outros reféns políticos. Esses familiares mantêm um programa de rádio, As Vozes do Seqüestro, no qual enviam mensagens aos parentes no cativeiro. Também se reúnem todas as semanas na Praça Bolívar, em Bogotá, para pressionar as autoridades. Apesar da mobilização, as chances de rever os parentes são cada vez menores. A guerrilha chegou a estudar a troca dos reféns por 500 guerrilheiros presos. Mas recuou depois que o governo colombiano extraditou dois chefões das Farc para os Estados Unidos, onde respondem a processo por participação no tráfico de drogas. O drama dos mortos-vivos, como esses reféns são conhecidos, ainda está longe do fim.
POSICIONAMENTO DA DIREÇÃO DA ABIN E DO GABINETE DE SEGURANÇA INSTITUCIONAL
A Revista Veja na edição de 16 de Abril de 2002, com o título "Os tentáculos da FARC no Brasil", publicou a denúncia de uma suposta doação das Farc, em 2002, para a campanha eleitoral do Presidente Lula e do PT. Segundo o artigo da revista, o representante das FARC, Francisco Antonio Cadenas Collazzos, conhecido no Brasil mais como “Padre Medina" (esse que recebeu asilo político do Brasil), teria anunciado uma doação de 5 milhões de dólares do exército guerrilheiro para o PT, no dia 13 de abril de 2002, numa chácara localizada nos arredores de Brasília.
A denúncia provocou a abertura de uma CPI que foi presidida pelo Senador Cristovam Buarque (então ainda no PT), e durante a qual o general Jorge Armando Felix, ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional, confirmou a informação dada pela reportagem da VEJA, dizendo que, de fato, a Agência Brasileira de Inteligência (Abin) guardava em seus arquivos um documento que informava que as Farc planejavam dar 5 milhões de dólares à campanha do PT.
O auxílio financeiro aparecia no documento número 0095/3100, datado de 25 de abril de 2002 e classificado como "secreto". O general disse na CPI que a informação sobre a doação não foi levada a sério pela Abin, que a havia encarado como "um boato" e que, portanto, arquivara o documento. O general explicou ainda que catalogaram como “secreto” aquilo que não passava de “boato” para evitar o vazamento da informação e sua exploração eleitoral contra o então candidato oposicionista Luiz Inácio Lula da Silva.
Entretanto, duas outras testemunhas do caso - um agente da Abin e seu ex-superior, o Coronel Eduardo Adolfo Ferreira – disseram à Veja que, ao contrário do que disse o general Jorge Felix, a Abin não desprezou o conteúdo do documento. As investigações sobre a guerrilha colombiana, iniciadas em 2000, eram tratadas como assunto ultra-secreto. Para evitar vazamentos, os relatórios eram digitados no gabinete do então diretor de Inteligência, José Milton Campana (que no governo do PT acabou sendo promovido a diretor adjunto da Abin), onde, além dos diretamente envolvidos no caso, apenas um analista de informações e um assessor tinham acesso ao material. Segundo o Coronel, foram feitos três memoriais completos sobre o caso, que foram encaminhados diretamente à então diretora da Abin, Marisa Del'Isola.
A Abin em São Paulo obteve três ordens de pagamento, somando cerca de 1 milhão de dólares, com indícios de que se tratava de parte do dinheiro das Farc para o PT. Os indícios eram fortes, mas ainda não constituíam provas; porém, a investigação parou quando o PT ganhou as eleições.
O coronel, de 49 anos, trabalhou por sete anos na Abin e deixou o posto em julho de 2003, por causa de divergências em relação à condução do caso Farc. Hoje, ele dirige o departamento de inativos e pensionistas da Polícia Militar do DF. O coronel sempre esteve ligado à área de informações. Pertenceu ao Centro de Informações do Exército e chefiou o serviço de inteligência da PM do DF.
No dia 17 de Março de 2005, o senador Cristovam Buarque deu por encerrada a CPI que investigava a denúncia da susposta doação das Farc para o PT. A Comissão ficou satisfeita com as explicações dos responsáveis pela Abin: o General Jorge Félix e o diretor Mauro Marcelo. As investigações, entretanto, não levaram em consideração os testemunhos de agente da Abin e do seu ex-superior, o Coronel Eduardo Adolfo Ferreira, apesar de os dois terem corroborado a história publicada pela revista Veja.
O diretor adjunto da Abin, Mauro Marcelo, acabou vindo a renunciar ao cargo em meio à crise do mensalão, quando a Abin foi acusada pelo ex-deputado Roberto Jefferson de ter sido usada pelo Ministério da Casa Civil, sob o comando do então Ministro José Dirceu, para colher informações que poderiam ser usadas como material de extorsão ou perseguição. Prática, aliás, que veio a atingir o seu ápice, quando o caseiro Francenildo teve sua conta bancária e sua vida ilegalmente devassadas sob as ordens de gente poderosa dentro do governo.
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